GLOSSÁRIO
DA
SABEDORIA E DO SENSO COMUM
SEGUNDO O JAGUNÇO RIOBALDO
TATARANA DISSERTOU EM 3 DIAS
E 3 NOITES PARA SEU OUVINTE
MISTERIOSO.
DO AMOR
MAS ciúme é mais custoso de se sopitar do que o amor. Coração da gente – e escuro, escuros
O amor? Pássaro que põe ovos de ferro.
Amizade dada é amor.
Ah! A flor do amor tem muitos nomes.
Ah! Meu senhor! – como se o obedecer do amor não fosse sempre ao contrário.
Só se pode viver perto do outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.
O amor só mente para dizer maior verdade.
DA CONFIANÇA
Confiança – o senhor sabe – não se tira das coisas feitas ou perfeitas: ela rodeia é o quente da pessoa.
Acho que sempre desgostei de criaturas que com pouco e fácil se contentam.
DO CONSELHO
Ah! Conselho de amigo só merece por ser leve, feito aragem de tardinha palmeando em lume-dágua
DA CONVIVÊNCIA
A gente nunca deve de declarar que aceita inteiro o alheio – essa é a regra do rei!
A colheita é comum, mas o capinar é sozinho.
Um sentir é do sentente, mas o outro é do sentidor.
DO JAGUNÇO E DO HOMEM
Riobaldo, homem, eu, sem pai, sem mãe, sem apego nenhum, sem pertencências.
O jagunço Riobaldo. Fui eu. Fui e não fui. Não fui – porque não sou, não quero ser. Deus esteja.
Sempre fui assim, descabido, desamarrado.
Um homem, coisa fraca em si, macia mesmo, aos pulos de vida e morte, no meio das duras pedras.
DEUS
Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve.
Deus existe mesmo quando não há.
Tudo tem seus mistérios.
Deus é uma plantação
Moço! Deus é paciência. O contrário é o diabo.
Senhor sabe: Deus é definitivamente; o demo é o contrário dele.
DA DOR
A dor não pode mais do que a surpresa.
DA VIDA E DA EXISTÊNCIA.
Viver é negócio muito perigoso.
Passarinho que se debruça – o vôo já está pronto.
Tudo sobrevém.
Viver é um descuido prosseguido
O mal ou o bem, estão é em quem faz; não no efeito que dão.
O que induz a gente para más ações estranhas, é que a gente está pertinho do que é nosso, por direito, e não sabe, não sabe, não sabe.
Deveras se vê que o viver da gente não é tão cerzidinho assim?
O que demasia na gente é a força feia do sofrimento, própria, não é a qualidade do sofrente.
Comigo, as coisas não têm hoje e ant’ontem, amanhã é sempre.
Esta vida é de cabeça – para-baixo, ninguém pode medir suas perdas e colheitas.
Pensar mal é fácil, porque esta vida é embrejada. A gente vive, eu acho, é mesmo para se desiludir e desmisturar.
A gente – o que vida é – é para se envergonhar.
Cansaço faz tristeza, em quem dela carece.
O bom da vida é para o cavalo, que vê capim e come.
Tudo o que já foi, é o começo do que vai vir, toda hora a gente está num compito.
Todo caminho da gente é resvaloso.
O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente e coragem.
No estado de viver, as coisas vão enriquecidas com muita astúcia: um dia é todo esperança, o seguinte para a desconsolação.
Ah, as coisas influentes da vida chegam assim sorrateiras, ladroalmente.
A vida é mutirão de todos.
Um lugar conhece outro é por calúnias e falsos levantados, as pessoas também, nesta vida.
A vida é um vago variado.
A vida é muito discordada. Tem partes, tem artes. Tem as neblinas de Siruiz. Tem caras todas do Cão, e as vertentes do viver.
Picapau voa é duvidando do ar.
Sossego traz desejos.
Porque aprender-a-viver é que é o viver, mesmo.
DA FELICIDADE
Perto de muita água, tudo é feliz.
DO HUMANO
Homem? É coisa que treme.
Jagunço não passa de ser homem muito provisório.
Natureza da gente não cabe em nenhuma certeza.
Ser forte é parar quieto; permanecer.
Existe é homem humano. Travessia.
DA LEALDADE
Cavalo que ama o dono, até respira do mesmo jeito.
DA MOCIDADE
Mas mocidade é tarefa para mais tarde se desmentir.
DO ÓDIO, DO AMOR
O ódio – é a gente se lembrar do que não deve-de; amor é a gente querendo achar o que é da gente.
DO PARENTESCO
Parente não é o escolhido – é o demarcado.
DA POBREZA
Pobre tem de ter um triste amor à honestidade.
DO PODER
De homem que não possui nenhum poder nenhum, dinheiro nenhum, o senhor tenha todo medo.
A primeira coisa, que um para ser alto nesta vida tem de aprender, é topar firme as invejas dos outros restantes...
Que comandar é só assim: ficar quieto e ter mais coragem.
Um chefe carece de saber é aquilo que ele não pergunta.
DO REAL
Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.
Do que o que: o real roda e põe adiante.
DO RISO
Rir, antes da hora, engasga.
DO SABER
Sujeito muito lógico, o senhor sabe: cega qualquer nó.
Quem desconfia, fica sábio.
Pessoa limpa, pensa limpo. Eu acho.
Mestre não é quem sempre ensina, mas quem – de repente – aprende.
A gente só sabe bem aquilo que não entende.
Esquecer, para mim, é quase igual a perder dinheiro.
DO SERTÃO
Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso.
Sertão é onde o homem tem de ter a dura nuca e mão quadrada.
Sertão é o sozinho
Sertão é dentro da gente.
Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera; digo.
Mas o sertão era para, aos poucos e poucos, se ir obedecendo a ele; não era para à força se compor.
O sertão é uma espera enorme.
DA SAUDADE
Moço: toda saudade é uma espécie de velhice.
DO SILÊNCIO
Ficar calado é que é falar nos mortos.
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