O TRABALHO E OS DIAS
É
preciso explodir de sol todas as manhãs.
É
preciso escancarar as janelas para a luz do sol entrar, iluminando os dias,
regando de futuro a flor perdida da esperança.
É
preciso merecer a vida e matar um leão por dia para poder acalentar o sonho de
ser verdadeiro.
É
preciso contemplar os desvãos da alma para não sermos surpreendidos pelo medo
de ser autêntico.
É
preciso tecer o sonho nosso de cada dia para manter acesa a fogueira da
lucidez, para não enterrar no cemitério de nossos medos a necessária coragem de
fazer o que tem de ser feito.
É
preciso acreditar que a luta, mesmo solitária, justifica uma existência,
preenche os vazios e nos faz caminhar na plenitude e leveza do destino.
É
preciso amar, um amor sem fim, um amor áspero, um amor inteiro, um amor agora,
aqui, sem as tralhas da culpa.
É
preciso, no entanto, estar pronto para fazer de seu o que é, de ofício,
contingente, precário, passageiro.
É
preciso saber que a vida é um talvez, um apesar de, um oxímoro de adversidades,
um quiçá-quem-sabe, coisa precária.
É
preciso mastigar o fel do remorso quando ofendemos, quando magoamos a quem
amamos, e sermos capazes de perdão.
É
preciso compreender que o excesso de luz é também cegueira, portanto, é preciso
demitir a sentinela da razão e deixar o coração enlouquecer para que possamos
ouvir os passos da emoção.
É
preciso confiar na manhã que há em todas as manhãs e não temer a escuridão,
porque sempre haverá outras madrugadas, lavadas de luz, nos varandais de nossas
ilusões.
É
preciso saber que todas as ilusões valem a pena mesmo quando perdidas.
E
quando as cortinas de se fecham e o bilheteiro cobra o ingresso, precisamos
acreditar que o espetáculo não acaba e a vida se repete, infinitamente.
Enquanto nós, humildes como um perdido grão de milho, vamos conhecer, afinal, o
Autor da peça de que somos precários personagens.
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