NOSSO DIREITO DE SER
Somos
estimulados, quase o tempo todo, no sentido do ter. Se fazemos de nossa vida um
compromisso acumulativo, se reificamos os dias e as manhãs, participamos
alegremente do darwinismo social. Com isso, ganhamos respeito e consideração.
Já não representamos perigo. Mas se, pelo contrário, mergulhamos na ansiedade
do ser, se nos entregamos ao inconformismo em busca da sensibilidade, então
somos “perigosos”, somos malditos.
Nada
irrita mais nosso desavisado vizinho do que o desespero, o desinteresse pela
acumulação de coisas. É comum a irritação de algumas pessoas quando sugerimos,
por exemplo, que um carro novo nada significa, e que dele não fazemos a menor
questão.
A
maneira mais comum de exílio é ser um despossuído. E não se trata de não ter,
mas de estarmos sempre preparados para despossuir. Só é meu, só me pertence
verdadeiramente, aquilo que me disponho a perder, porque senão, serão as coisas que me possuem.
E
não é esta a essência da liberdade?
Pois
o direito de ser se confunde com a condenação de sermos livres. Porém, a
liberdade, no sentido do não-ter, acaba sempre sendo negociada no estreito
universo da servidão.
Resta
sempre a interrogação de Baruch Spinosa ou de Étienne de La Boétie , o amigo de
Montaigne, acerca de nossa disponibilidade para a servidão – a servidão
consentida --, como disse La
Boétie.
Há
sempre um mistério: a facilidade com que abrimos mão de nossa liberdade, de
nossa autonomia de sujeitos racionais, em troca da conformada servidão. Pior
ainda quando a rebeldia é “colonizada” pelos modos de vida da sociedade
tecnológica de massas.
Há
sim uma estratégia midiática a favor da servidão, contra a liberdade, contra a
autonomia.
O
resultado é um estado de crônica infelicidade, tristeza e medo.
O
direito de ser começa no exercício da alegria, muitas vezes confundida com
loucura.
Em
um dos mais belos livros do Renascimento – O
elogio da loucura – de Erasmo de Roterdã, está escrito que “não havendo alegria, a vida humana nem
mesmo merece o nome de vida”.
Mas a alegria, a
gaia ciência nos termos de Nietzsche, invade nosso espírito quando ele se
dispõe a SER. É como escancarar portas e janelas para deixar a luz do sol
entrar. Significa explodir de sol todas as manhãs de nossa existência.
Talvez
por essa razão alguns homens, tocados pelo direito de ser, acabam perseguidos e
odiados, gratuitamente. Eles se atreveram a desprezar o vulgar universo do ter.
A
paixão de ser paga o preço da incompreensão, do desprezo daqueles que foram
escravizados no mundo prático do ter. Lá, tudo é cumulativo, simplista e cruel.
Seus heróis são fáusticos, avançam sobre o outro reificado e triunfam quando
ignoram qualquer sentimento de piedade, compaixão, solidariedade.
Mas
a paixão de ser provoca humanidades como a de Jesus de Nazaré, como as dos
gênios da poesia, das artes. Quantos Beethovens são necessários para o mundo se
tornar suportável?
Finalmente,
quando permitiremos que nossos jovens exercitem seu direito de ser?
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