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quarta-feira, 22 de junho de 2011

CAMINHOS

            Disse certo poeta espanhol não haver caminho, o caminho se faz ao andar. Como prenunciasse a agonia de um tempo, Antonio Machado anunciou uma nova forma de pensar as coisas.
            Para meu espanto, encontrei algo semelhante em Kafka:  Wege entstehen dadurch, dass uns wir sie gehen (  caminhos emergem, por isso nós os percorremos)
            Vou ao encontro do meu destino no ventre de um paradoxo, exclamou o desesperado esforço de certo poeta bretão de cujo nome não quero recordar-me.
            Do mesmo modo, certo leitor obsessivo, que resolveu encenar sua loucura letrada, mergulhou no sonho alucinado e revelou um mundo sem sentido, absurdo, incapaz de compreender que o sonho da razão produz monstros. Foi Dom Quixote
            Estes homens pressentiram o desencanto do mundo na medida em que suspeitaram a impossibilidade de conciliar os avanços da técnica com a autenticidade do homem, quase escrevo: com a humanidade do homem.
            O vasto cenário moderno, repleto de mediações consumistas, afasta o Ser homem de si mesmo. Esquecemos a lição de que é preciso despojar-se para encontrar o ser de si mesmo, que é preciso dividir o humilde pão da intimidade com a sabedoria dos que esperam o apelo do Invisível para que possamos fazer nosso  o caminho, em comum comunhão com a humanidade.
            Mas o caminho não existe previamente ao caminhar. São concomitantes, caminho e caminhante, no esforço de saber que a essência do caminho se descobre ao andar.
            Como naquela história exemplar de Heráclito, filósofo grego, que recebia suas visitas na mais despojada e humilde choupana. Quando indagado porque não habitava os palácios, respondeu que também ali, na pobreza, moravam os deuses.
            Aprenderemos, sim, pelo caminho do sofrimento, quando poderia ser pela gaia ciência. Porém, não deverá ser do modo mais alegre, porque nossos ouvidos estão surdos ao apelo do Ser, perdemos a sensibilidade para as coisas do espírito. Elas nos pesam como um corpo embrutecido e sem alma. Pesam-nos, às vezes, como a mão de uma criança em nossos ombros.
            E nos entregamos aos prazeres mais abomináveis, aos vícios inconfessáveis, às fraquezas insuportáveis. Tudo em nome de uma liberdade fútil e enganosa.
            Em nosso ventre existe muito mais do que um paradoxo, existe a centelha de alguma coisa que já fomos, num passado remotíssimo, mas que dói como uma velha fotografia na parede.
            Mas dói porque lá está, grávida de sentidos que não queremos, não podemos, dar à luz. Esquecemos que somos nós os únicos responsáveis por nossas escolhas, como escreveu Sartre.
            É que na ausência de sermos o que deveríamos ser, existe sempre a possibilidade da presença de uma ausência, enquanto a vida teima em latejar em nossos aquecidos corações.
            Vamos, sim, de novo, recomeçar.
            Vamos começar/recomeçar/começar mesmo que o espetáculo a nossa volta seja a mediocridade, a corrupção, o desalento.
            Vamos sim recomeçar, mesmo que, no meio do maior desespero, encontremos o outro, este osso duro de roer, onde a razão perde os dentes.
            Vamos sim, mas de mãos dadas, porque sozinho não se vai a lugar algum.

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